domingo, 24 de junho de 2012

Além dos debates: a vivência dos discursos sobre justiça social dentro de uma comunidade


Por Bruno Ferreira em 21, junho 2012
Fonte: Agencia Jovem de Notícia

Bruno Ferreira, com a colaboração de Vinícius Balduíno | Imagens: Enderson Araújo e Vinícius Balduíno

Medo, cansaço, surpresa e contemplação são palavras apropriadas para definir a experiência de cinco jovens da Agência Jovem de Notícias ao percorrer o Complexo do Alemão. Do receio da altura causado pelo teleférico ao desafio de equilibrar-se nas vielas íngremes e estreitas dos morros até chegar no topo mais alto da favela, foram muitos os sentimentos e questionamentos de Alessandro, Isadora, Enderson, Vinícius e Bruno.
Numa zona norte ignorada pelas novelas da Globo, mas lembradas por seus telejornais para noticiar crime e violência, existe beleza na simplicidade e na constante busca dos moradores por dignidade. Os discursos acerca de justiça social e sustentabilidade socioambiental, amplamente disseminados durante a Cúpula dos Povos e Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Sustentável, exemplificaram-se a cada passo do percurso. “A Rio+20 precisa ver isto: saneamento básico, que aqui não tem”, diz com firmeza Lúcia Maria Oliveira, do Núcleo de Mulheres Brasileiras em Ação (NUMBA), que nos acompanhou durante a visita à comunidade.
Naquele momento, apontava para a água que jorrava do encanamento de uma das casas em frente a um pequeno bar onde o grupo comeu vários pasteizinhos a 50 centavos cada, cansado e faminto após atingir a área de proteção ambiental da Serra da Misericórdia, área antes frequentada apenas pelos traficantes que controlavam o Complexo.
Do alto da serra, foi possível perceber a beleza de uma cidade da qual a grande mídia parece se envergonhar. Sem vista para a Marina da Glória nem para o Cristo Redentor, o topo do Complexo do Alemão encanta ao revelar a ponte Rio-Niterói, as casinhas, os caminhos estreitos e o verde dos morros ocupados por milhares de pessoas.

Caminhamos por entre pedras, mato e trilhas conhecidas internacionalmente pela fuga dos traficantes quando da intervenção do exército na comunidade há cerca de dois anos; ou do assassinato do jornalista Tim Lopes, há dez anos. Mas hoje, o espaço é de preservação ambiental, à disposição de qualquer pessoa que queira curtir a natureza e a paisagem bonita da periferia carioca. Uma placa incentiva a apropriação da comunidade para a realização de atividades físicas e lazer dos moradores.
E nesta quarta-feira (20), foi assinado um convênio entre Prefeitura do Rio de Janeiro e Caixa Econômica Federal, durante a Rio+20, para a construção de um parque ecológico na região da Serra da Misericórdia, no valor de 10, 9 milhões de reais.

Do alto do teleférico

A partir da Estação Alemão, onde pegamos o teleférico até Bonsucesso, aconteceu uma conversa profunda com uma verdadeira especialista em Complexo do Alemão. Lúcia, do NUMBA, tem 50 anos e morou a vida inteira na comunidade. Ela orgulha-se das melhorias recentes no local, fruto de uma parceria inédita entre as esferas municipal, estadual e federal. As estações de teleférico, que cobram apenas um real para serem utilizados por visitantes e gratuitos para moradores do Complexo, são amostras desse avanço, segundo ela.
As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram paralisadas recentemente. Com foco na habitação, muitas casas foram desapropriadas, mas ocupadas novamente por antigos e novos moradores. O Alemão aguarda continuidade das ações, mas a comunidade vive e age enquanto espera, desenvolvendo diversas ações sociais.

Numa visão panorâmica de parte dos morros que constituem o Complexo foi possível observar a construção adiantada de diversas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e a rotina agitada de uma comunidade de 70 mil habitantes, de acordo com dados de 2010. Apesar das melhorias, Lúcia mostra-se preocupada com a questão da acessibilidade. Para ela, essa é uma questão com a qual os governos não se importam. Na Estação Alemão, ela disse que cadeirantes não têm acesso aos teleféricos, devido à ausência de espaço para cadeira de rodas. No entanto, um funcionário da estação fez questão de dar a sua versão, dizendo que auxiliam pessoas com deficiência para utilizarem o meio de transporte.
Ao descer o morro com dificuldade, por becos escorregadios e irregulares, e amparados por cercas de madeira, algumas com pregos e arame farpado, sentimos na pele a necessidade de acessibilidade nos espaços mais escondidos da comunidade. Acessibilidade, inclusive, para o serviço de coleta de lixo, presente apenas na parte baixa do Alemão.


Lúcia aponta com indignação para o lixo presente em uma das áreas próximas a uma das vielas, fruto de anos de descaso com o saneamento básico e de acomodação de alguns moradores à situação. “Por que não reivindicam caçambas no meio do morro?”, questiona a moradora.
No Complexo do Alemão existe tranquilidade, apesar dos problemas. A pacificação foi positiva para a comunidade, no entanto é preciso não apenas coibir o tráfico, que hoje, aparentemente, não mais domina o morro do Alemão. É necessário olhar para os seus moradores. O PAC promoveu algumas mudanças de acordo com o entendimento do governo sobre as necessidades da população. Mas vimos hoje que ainda há muito a ser feito. Basta boa vontade e diálogo com a população para entender melhor o que de fato a comunidade quer e precisa.





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