Nosso apoio a Verdejar, que luta por Justiça SocioAmbiental na zona norte do Rio de Janeiro.
Na tarde desta terça-feira (6), no Engenho da Rainha, zona norte carioca, representantes da Light S.A junto a policiais militares autorizaram a demolição da sede da ONG Verdejar, que realiza há mais de 15 anos um trabalho sócio ambiental no Parque da Serra da Misericórdia. A liminar de reintegração de posse foi dada pela desembargadora Norma Suely Fonseca, para viabilizar a construção de uma subestação da concessionária para atender a região.
As pessoas que se encontravam no local disseram que ninguém foi previamente avisado, inclusive só ficaram sabendo porque tinha um integrante da instituição na hora regando as plantas (veja o relato da Verdejar). Em poucas horas toda a casa foi posta abaixo e seus pertences, incluindo muitas mudas para o reflorestamento local, um de seus projetos, levadas num caminhão para a sede administrativa, em Olaria. Um banheiro ecológico, recém construído, e um sistema de captação de água da chuva também foram destruídos. Houve confusão no momento, mas ninguém saiu ferido ou preso.
De acordo com o presidente da Verdejar, Edson Gomes, a organização acionou a defensoria pública para entrar com a sua documentação no processo e tentar uma oitiva com a desembargadora. Em paralelo a isso, segundo ele, serão realizadas ações políticas como um ato em frente à prefeitura às 17h e uma reunião com o secretário municipal de Meio Ambiente, Altamirando Fernandes, sobre a Serra da Misericórdia e Light.
“Vamos ocupar temporariamente toda essa fachada com arte e ações de plantio, até que se resolva o problema desse inquérito. Nós temos alvará para atuar nesse território, temos o relógio da própria Light funcionando em nome da ONG Verdejar. E o número do endereço daqui não é o do processo deles. Temos ainda um documento da Secretaria de Meio Ambiente reconhecendo o nosso trabalho nessa área, além de dezenas de instituições que estão agora produzindo documentos em apoio ao Verdejar. Faremos um abaixo assinado, onde os moradores vão poder afirmar a importância desse trabalho na região”, afirmou Gomes.
A avaliação do presidente da Verdejar é que existe um estado de exceção em diversos pontos isolados do Rio de Janeiro, em função das grandes obras e de uma expansão desordenada da cidade. Para ele, esse foi mais um caso arbitrário e covarde, na ocasião realizado pela Light. “Estavam com policiais militares assegurando a segurança do interesse do capital privado, e não da população. Estamos nos sentindo violentados, nenhum dos nossos direitos foram respeitados. A gente teve hoje o nosso espaço esvaziado e a nossa sede demolida, uma sede que estamos há anos lutando para construir”, criticou.
Juvenildo Barbosa, da área de patrimônio da Light, estava coordenando a operação no local e disse que foi uma imissão de posse, com mandado judicial, para construir a futura subestação da Light. Segundo ele, como toda obra pública, foram cumpridas várias etapas e os moradores participaram de algumas reuniões, inclusive na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMA). A Light informou em nota que a subestação vai beneficiar cerca de 200 mil pessoas do Complexo do Alemão e entorno.
“Vamos utilizar somente a área necessária para construção da subestação, logicamente que nesse processo existe uma compensação: o que houver a necessidade de tirar de árvores a gente planta em outro local, segundo os critérios determinados pela SMA. Eles participaram da reunião, tomaram conhecimento que seria construída a subestação da Light nessa localidade, o que eu não consigo te dizer é porque eles não souberam que a Light viria hoje (06) com um oficial de justiça e o aparato policial para fazer a imissão da posse”, informou.
De acordo com o representante da Light, a partir de hoje, com o terreno sob responsabilidade da concessionária, serão realizados os estudos necessários para começar as obras de utilidade pública. Os moradores provavelmente não serão indenizados, pois o terreno pertence a uma empresa [massa falida] e era apenas utilizado pela Verdejar, complementou. O procedimento padrão, disse, é a realização de um levantamento do patrimônio para os valores serem depositados numa conta acessada via justiça pelo proprietário, que no caso não existe. “O que é fato para nós da Light é que temos uma deficiência no sistema de fornecimento de energia, e vamos precisar construir diversas outras subestações”, concluiu.
Moradores indignados
Alguns jovens integrantes dos projetos da Verdejar presenciaram o despejo com os moradores. Todos surpresos e indignados, sem condições de responder à demolição. A filha de Luiz Poeta, pioneiro do projeto que faleceu precocemente no ano passado, Luara Marins, mal conseguia expressar sua insatisfação com o que estava vendo. Ela mora desde 2009 no topo da Serra, onde foi construída uma cisterna recentemente para irrigar as hortas, seguindo a trilha que começa na sede destruída. Chorando, ela conta que acompanhou toda a história da Verdejar desde pequena e que, se preciso, o projeto vai continuar nem que seja com reuniões no mato.
“Acompanhei toda a luta do meu pai, a história da Verdejar, e dói muito ver isso acontecendo. Eu sei o quanto era importante para ele essa casinha simples, ter conquistado um espaço com essa sede. Porque no começo eles se reuniam no meio do mato para lutar. Vamos conseguir outro espaço, e continuaremos lutando na justiça. Eles não avisaram 15 dias antes e nem na hora, se não tivesse gente dentro não ficaríamos nem sabendo!”, disse indignada.
O presidente da Associação de Moradores da comunidade Sergio Silva, que fica na rua da Verdejar, Fortunato lembrou da luta da ONG contra grileiros e traficantes para manter aquela região desocupada e preservada. Na sua opinião, foi um ato de covardia do prefeito Eduardo Paes, que está em ano de campanha atendendo os interesses dos seus aliados.
“Não temos barraco aqui por causa da luta do Verdejar, junto com a associação de moradores. Quem vendeu esse terreno para a Light foi o prefeito Eduardo Paes, sem conversar com a comunidade. Uma área que se mantinha preservada com projetos de replantio, a custo de muito suor. A Verdejar foi surpreendida com uma ordem judicial de desapropriação, sem nenhum um prévio aviso. Pedimos 12 horas para que pelo menos tivéssemos um lugar para colocar todas as coisas, e eles não deram”, afirmou.
Fortunato disse que o poder público só chega nas comunidades Sergio Silva e Juramentinho com a força policial, e não há a mão do prefeito em nada nestes locais. Ele destacou que era a única área de lazer para as crianças na região, e o prefeito sequer consultou a comunidade, mesmo sendo área de preservação ambiental. “Considerando que isso aqui era uma massa falida, é direito da comunidade decidir qual será o seu destino. Essa é a atitude de um prefeito que quer a reeleição, seguido de empresas que foram privatizadas para que os seus donos não tivessem nenhum compromisso com a sociedade. Não houve nenhum divulgação da imprensa, isso é típico do sistema, que é covarde”, protestou.
A Light, até o fechamento da matéria, não informou quais as empreiteiras que integram o consórcio que realizará as obras da subestação.
Questão Ambiental
Desde o ano 2000 o terreno da sede da Verdejar é uma Área de Preservação Ambiental e Recuperação Urbana (Aparu), segundo a placa na entrada da área, atribuição conquistada por meio de lutas durante alguns anos. Nos últimos 10 anos, de forma voluntária, dezenas de pessoas, sobretudo Luiz Poeta, reflorestaram todo este trecho do Parque Florestal da Serra da Misericórdia. A área tinha muitos problemas com incêndios, que foram sanados.
Depois de todo esse esforço, as árvores serão derrubadas, o solo vedado com a pavimentação da subestação, torres construídas, dentre outras iniciativas que degradarão o ambiente.
Segundo o biólogo Rafael Carvalho, um dos diretores do Verdejar, a fauna e a flora locais serão prejudicadas. Ele destacou que todo o trabalho agroecológico desenvolvido voluntariamente nos últimos 20 anos por diversos agentes da região, inclusive com o envolvimento de pessoas mais jovens, trouxe diversos benefícios para os moradores.
“Nós temos uma agrofloresta que fazia a regeneração natural que liga dois fragmentos, e um deles vai ser suprimido totalmente pela obra. A gente era um pólo de tecnologias sociais para a comunidade. Temos captação de água da chuva, cujo abastecimento local é precário, agrofloresta, aquecedor de água, tratamento biológico de esgoto, realmente estamos se instalando nessas comunidades para empoderá-las por meio de tecnologias sociais. Mostrando também a possibilidade de agricultura urbana, agroecologia”, observou.
De acordo com Carvalho, há pouco mais de um mês foi divulgado na mídia que o Parque da Serra da Misericórdia recebeu um investimento de R$ 15 milhões. “E a primeira ação feita foi esse despejo da única organização de meio ambiente da região. Uma das poucas que fala da Serra da Misericórdia e que atua aqui há 15 anos”, questionou.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou, por meio de sua assessoria, que só vai se manifestar sobre o caso após a reunião realizada no final desta tarde (07) com representantes das partes envolvidas.
(*) Veja a reportagem sobre o trabalho desenvolvido pela Verdejar.
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